terça-feira, 30 de outubro de 2012

Quando o vício no crack leva ao crime



Paulo, nome fictício, vive na linha férrea há cinco meses e chega a usar mais de 10 pedras de crack por dia. Aos 25 anos, ele já perdeu as contas de quantas vezes partiu e voltou para o lugar, entrou e saiu de clínicas de reabilitação, pediu desculpas e depois desapontou sua família e amigos. 

Atualmente, ele decidiu parar de dar notícias e viver o crack da linha férrea, até os mais tristes limites. Assim, passa os dias por lá, embaixo das árvores da quadra que era para ser de basquete, mas é moradia de usuários.

Para manter seu vício, usar mais de 10 pedras diariamente e fazer umas poucas refeições, ele conta que já chegou a gastar R$ 1,5 mil a cada quatro dias.

Cada pedra de crack é vendida a R$ 10 no Centro, logo, Paulo gasta, no mínimo, R$ 100 diários quando consegue parar nas 10 pedras. Situação que ele admite ser rara. “Acabo fumando mais que 10, principalmente à noite”.

Hoje, ele que já trabalhou no ramo de construção civil, não tem emprego. Quando questionado sobre a origem do dinheiro que usa para sustentar o vício, abaixa a cabeça, e fica em silêncio.

Paulo é conhecido dos meios policiais. Os policiais militares que acompanharam a reportagem em visita à linha férrea contam que ele já foi levado ao Plantão Policial diversas vezes por furto e roubo e que não é o único.

Tanto a Polícia Militar quanto a Civil estão em alerta com o crescimento no número de furtos e de roubos a transeuntes na cidade . Segundo levantamento do BOM DIA com base em dados da Secretaria de Segurança Pública, se a média de furtos registrados em Bauru neste ano continuar a mesma – cerca de 494 ocorrências por mês ou 16 por dia – poderemos ter o maior número de furtos já registrados nos últimos quatro anos.

O número de roubos a transeuntes cresceu em 15% de um ano a outro. No Centro, as ocorrências preocupam tanto que no último mês a PM iniciou a operação “Centro Seguro”, que levou mais policiais ao coração da cidade, com o objetivo de afastar o crime que a PM garante vir do vício. 

Celulares estão entre os itens mais visados pelos usuários, que trocam facilmente o aparelho por droga. O círculo criminoso dos viciados que vivem na linha férrea é ir até o Centro para praticar furtos e roubos, trocar o que foi roubado com pequenos traficantes na praça Ruy Barbosa ou em favelas próximas e voltar à linha. 

O tenente coronel Nelson Garcia Filho, comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar de Bauru, explica que a polícia age na intenção tanto de combater a ação dos traficantes quanto na de combater os crimes praticados pelos usuários. Como um desabafo, entretanto, ele esclarece que a polícia não pode trabalhar sozinha e, em relação aos usuários, fica de mãos atadas. “Esse problema deve ser tratado com a união de todos os setores do poder público e da sociedade”, diz. 

Desafio social/ Além dos pequenos crimes, o dia a dia policial tem mostrado que o vício também é responsável por crimes de maior violência.

No último sábado, a DIG (Delegacia de Investigações Gerais) prendeu um dos envolvidos nos sequestros-relâmpago praticados em Bauru na última semana. Ítalo Gustavo Picherelli, 18 anos, é um usuário de crack conhecido dos meios policiais. Transtornado, ele mal conseguia conversar quando foi capturado.

Há cerca de um mês, ele se envolveu em uma briga no Jardim Europa e conversou com a reportagem. “Eu não consigo parar de usar crack. Preciso de ajuda”. Na época, ninguém poderia imaginar que ele estaria envolvido em um crime violento.

Na concepção do coronel Garcia, por ser uma droga que causa dependência muito mais rápido e forte do que as outras, ela leva facilmente o à perda do controle. “Hoje, o morador de rua, que antes enfrentava só um problema social, é empurrado para o furto e roubo pelo vício, assim como os outros usuários, que vão para o crime para comprar a droga”.

A consideração do comandante é facilmente constatada na rotina do plantão policial da cidade. Todos os dias, as cadeiras são preenchidas por viciados flagrados em crimes. Há duas semanas, o BOM DIA mostrou a história da adolescente de 14 anos que se tornou conhecida dos policiais por praticar diversos roubos na região do Jardim Europa. Em conversa com o BOM DIA, após ser apreendida, ela confessou que praticava crimes para comprar crack.

O delegado seccional Marcos Mourão resume toda a situação em uma só frase. “O crack é hoje o maior desafio enfrentado pela sociedade”. Ele ainda vai mais longe ao supor que, para solucionar o problema, além de se unir, a sociedade precisa analisar as razões que levam o usuário ao crack para, então, poder tirá-lo dele. “É a degradação familiar? A falta de perspectivas para o futuro? A pobreza? Precisamos saber”.

Realistas, tanto ele quanto o coronel são claros ao dizer que o aumento nos crimes, principalmente de furtos e roubos, está diretamente ligado ao aumento dos usuários de crack. “Logo, se não solucionarmos o problema do crack, os crimes tendem a ascender”, nas palavras do delegado.

Entrevista - Marcos Mourão e coronel Garcia analisam o problema

Marcos Mourão - Delegado Seccional de Bauru

BOM DIA - Qual é a relação entre os índices criminais de Bauru e o grande número de usuários de crack na cidade?

O crack veio rápido e quem está dependente não consegue ficar sem usar. Os crimes, principalmente furtos e roubos, são uma maneira de o usuário conseguir manter o vício. Além do tráfico de drogas, que é um crime, o crack é um aditivo para outros crimes. 

Como o crack é visto pela Polícia Civil?

Com certeza, hoje o crack é o maior desafio em termos de segurança pública. Ele é também um dos maiores males enfrentados pela sociedade. A polícia tem que estar eficiente na prisão dos traficantes e na prevenção dos crimes, porém as causas que levam ao uso e o tratamento estão longe da atuação policial.

As modificações nas leis antidrogas colaboram para o aumento no uso?

Na minha opinião sim. Por saber que não há punição, a pessoa não tem receio de usar.

A sociedade está preparada para o problema do crack?

Não. Precisa haver um estudo que aponte as causas do uso e assim combatê-las. Saúde, educação, segurança: ninguém deve se eximir da responsabilidade.

Coronel Nelson Garcia - 4º BPMI de Bauru

BOM DIA - Como o crack conseguiu se popularizar tão rápido entre os usuários?

O domínio maior no mercado de drogas foi o da maconha, até que as refinarias de droga descobriram que o que sobrava do refino da cocaína era uma droga poderosa e barata e que poderia ser uma forma de ganhar dinheiro. Para colocá-la no mercado, os traficantes começaram a vender o mescladinho, uma mistura de maconha e crack. Como a droga é barata e vicia rápido, ela se espalhou.

Quem são os principais usuários do crack?

Hoje o crack é usado por todo tipo de pessoa. O traficante não está interessado em quem vai comprar, e sim em quanto vai lucrar. Ele não fica mais nas favelas. Vem para rua, e atua até como receptador, ao receber produtos roubados e furtados como pagamento.

O problema é de policia?

A polícia age na prevenção dos crimes e diretamente nos crimes. Não podemos atuar junto ao usuário, até porque a lei não prevê penalidades a eles. Assim, no macro, o caso é de saúde pública. Os usuários precisam ser acolhidos. Se o poder público não tomar atitude agora, no futuro, a maior parte da verba da cidade irá para o tratamento de drogaditos.

A história de Lucas

Quando fala da cadeia, Lucas, que é homem grande, chora

“A minha vida tomou um rumo que eu nunca imaginei”.
Lucas começou a usar crack pelo mescladinho, uma mistura de crack com maconha, considerada pela polícia a porta de entrada que os traficantes encontraram para difundir o crack no mercado de usuários. “Eu pensava que não ia dar em nada, mas quando vi, perdi o controle”. Em pouco tempo de uso, ele percebeu no que tinha se metido. Conta, com pesar nos olhos, que passou a não dar importância para a mulher e o filho, um bebê. 

De maneira rápida, ele se tornou refém do vício. Conta que de 82 quilos passou a pesar 60. Parou com os trabalhos de pedreiro e eletricista, mas não parou com a droga. Precisou, então, começar a vender as coisas de casa. Quando o que tinha de valor em casa acabou, foi para a rua. Passou mais de dois meses morando na linha férrea e, quando conta essa parte da sua história, Lucas, que já é homem barbado, aos seus 30 anos, cai no choro.

Morando na linha férrea, ele passou a praticar furtos e roubos. “A linha enraíza. Quem entra, dificilmente consegue sair, porque a vontade de usar em liberdade supera toda a tristeza e ‘porquice’ de lá. Só que quando o dinheiro acaba, o jeito é o crime”. 

Da primeira vez que foi preso, ficou três dias na prisão. Da segunda, o tempo subiu para duas semanas. Na terceira, o crime foi mais grave e juntou-se à reincidência. Lucas ficou sete meses na cadeia e ainda não recuperou-se a ponto de falar sobre o que viveu. Para nisso. “Fiquei sete meses e foi o pior que já tive na vida”. 
Fonte:ABEAD(Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas) 

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